DA REDAÇÃO – Em um cenário de rápidas transformações no universo midiático, o trabalho de Ana Estela de Sousa Pinto se destaca como uma bússola para jornalistas em formação. Sua obra “Jornalismo Diário” não é apenas um manual de orientações práticas, mas também um convite à reflexão sobre os princípios que devem nortear a profissão, especialmente em tempos de mídia digital e redes sociais.
Ana Estela, com sua vasta experiência como editora e formadora de novos jornalistas, mergulha, em seu livro, nas nuances do ofício, desde os primeiros passos de um repórter até os desafios da apuração e da escrita. Em um mundo em que a pressão por notícias rápidas muitas vezes se sobrepõe à necessidade de qualidade, “Jornalismo Diário” se torna um guia essencial para profissionais e estudantes que buscam excelência na arte de contar histórias.
Nesta entrevista, conversamos com Ana Estela sobre os principais motivos que a levaram a criar o livro, o perfil do bom jornalista, as dificuldades enfrentadas pelos iniciantes na área, as práticas essenciais para uma boa apuração e muito mais. Confira abaixo os insights valiosos dessa experiente profissional sobre o futuro do jornalismo e a importância de preservar a integridade da informação.
O que motivou a criação deste livro e qual é o principal objetivo que a senhora deseja alcançar com ele?
No final dos anos 1990 eu me tornei editora de Treinamento da Folha, responsável pela seleção e pelo treinamento dos novos jornalistas, e percebi que não havia no Brasil nenhum material sistematizado sobre isso, que pudesse servir como um “guia” para orientar quem está começando a conhecer a profissão.
Nessa minha função, passei a fazer parte de um grupo muito ativo de editores de Treinamento internacionais, a maioria dos Estados Unidos, e a participar das reuniões anuais deles no Instituto Poynter. Os americanos são muito pragmáticos, têm muitos livros-texto e exercícios, e daí surgiu a ideia de fazer algo semelhante no Brasil.
O objetivo, portanto, era esse: reunir numa obra, de forma organizada, explicações, dicas práticas e exercícios para ajudar no aprendizado de quem começa a estudar ou praticar o jornalismo.
Em sua obra, a senhora traça o perfil de um bom jornalista. Quais são as qualidades mais importantes que um jornalista deve ter, especialmente no contexto atual de mídia digital e redes sociais?
As características principais do jornalista são as mesmas, seja qual for a plataforma de informação: independência, curiosidade, senso crítico, responsabilidade.
O que muda com as novas plataformas são as habilidades técnicas que ele precisa desenvolver. Para fazer a informação chegar a mais gente ou atrair novos públicos, dominar a linguagem das redes e a edição de vídeos curtos, por exemplo, pode trazer mais eficiência.
Mas tudo tem como base a informação relevante, pluralista e bem apurada.
A senhora fala dos primeiros dias de um repórter. Quais são os maiores desafios que um iniciante enfrenta ao começar na área, e como ele pode superá-los de forma eficaz?
Os desafios são muitos, já que qualquer pessoa que começa em qualquer profissão sabe pouco, tem muito a aprender. Para superá-los, no jornalismo, esteja sempre bem informado, não tenha vergonha de perguntar o que não sabe, corrija os erros (( sim, você vai errar, todos nós erramos )) o mais rapidamente possível e aprenda com esses erros (( entenda por que aconteceram e aja para evitar o mesmo engano no futuro )). Se tiver a oportunidade, cole em um jornalista mais velho, observe o que ele faz, tire dúvidas com ele, peça ajuda.
No mais, como na maioria das profissões, é a prática e o envolvimento que vão fazer o principiante crescer.
O que a senhora considera essencial na apuração de uma notícia, especialmente em um cenário onde a rapidez e a pressão por publicações imediatas podem comprometer a qualidade jornalística?
Responsabilidade. Ou seja, ter certeza de que a informação está bem checada, de que todos os lados envolvidos foram ouvidos. Informações são rapidamente disseminadas hoje em dia, e informações erradas, uma vez divulgadas, podem ter consequências graves.
Como o jornalista deve se preparar para realizar uma entrevista eficiente? Existem técnicas ou abordagens específicas que você recomenda?
De forma geral, diria que é preciso ler bastante sobre o entrevistado e o tema da entrevista e preparar perguntas previamente já pensando em que tipo de resposta pode ser uma boa informação jornalística. O livro tem várias dicas práticas mais detalhadas.
Em relação à coleta de fontes, qual é a importância de diversificar as fontes de informação e como garantir que elas sejam confiáveis?
Quanto mais fontes diferentes, mais rica e aprofundada fica a reportagem e menor a chance de erro. O ideal é ter fontes com interesses diferentes e prestar atenção no que elas dizem. Não é incomum que as informações de uma fonte acabem mudando o rumo de uma pauta, nos mostrem que estávamos errados na nossa hipótese inicial, e isso ajuda o jornalista a evitar cascas de banana.
Saber se uma fonte é confiável ou não vem com a experiência, com a relação do repórter com aquela fonte. Mas o ideal é nunca depender de uma fonte só, por mais confiável que ela seja.
No seu livro, a senhora também fala sobre o estilo de escrita. Quais são as maiores dificuldades que os jornalistas enfrentam para manter um estilo claro e objetivo, sem perder a profundidade nas reportagens?
O estilo claro não impede que a reportagem seja profunda. A profundidade da reportagem vem do preparo prévio do jornalista para fazer aquela matéria e da amplitude de informações que ele recolhe. O estilo claro é o que mais ajuda o leitor, e, quanto melhor for a apuração, mais fácil é escrever de forma clara.
Quais seriam as habilidades ou experiências mais valorizadas pelos empregadores no jornalismo atual?
São muitas, e variam de cargo para cargo, de jornal para jornal, de editor para editor. De uma forma bem ampla, diria que o que todo chefe procura é um jornalista interessado, envolvido e responsável. Quase todo o resto se aprende na prática.
Quais são as lições mais valiosas que a senhora aprendeu ao longo dessa trajetória e que gostaria de compartilhar com os futuros jornalistas?
O jornalista tem um poder enorme, pode mudar a vida de muita gente, para o bem e para o mal. Duas coisas nas quais sempre é preciso pensar: a quem interessa essa notícia e quem pode ser prejudicado com ela?
Em sua experiência, quais são os maiores desafios enfrentados pelos jornalistas na busca por um jornalismo mais reflexivo e menos impulsivo?
Não sei se entendi bem a pergunta, mas acho que o maior desafio é o imediatismo dos veículos em tempo real.
Como a senhora analisa a evolução do jornalismo diário nos próximos anos, com a crescente presença de inteligência artificial e novas tecnologias no setor?
Boa pergunta, e não tenho ideia, pois essas tecnologias estão evoluindo muito rapidamente. Elas têm potencial para ajudar os jornalistas, substituindo tarefas burocráticas e agilizando muito alguns passos da apuração, como a análise de dados, por exemplo.
Por outro lado, várias dessas ferramentas produzem notícias falsas, incluindo áudio e vídeo, com muita facilidade e um resultado muito convincente, o que exige cuidado.
- Ana Estela de Sousa Pinto é editora de economia. Na Folha desde 1988, já trabalhou em política, ciências, educação e saúde. Foi correspondente na Europa, editora-chefe da Folha da Tarde e editora dos cadernos regionais, de Fotografia e de Mercado. Durante 15 anos, coordenou o Programa de Treinamento da Folha. É autora dos livros “Jornalismo Diário”, “A Vaga É Sua” e “Folha Explica Folha”
- O livro “Jornalismo diário: reflexões, recomendações, dicas e exercícios”, da autora Ana Estela de Sousa Pinto, pela Editora Publifolha é uma referência para estudantes e profissionais da área. Com o livro “Jornalismo diário: reflexões, recomendações, dicas e exercícios”, obtenha respostas às dúvidas mais comuns de jornalistas iniciantes ou que já estão trabalhando em Redações. A obra traz o passo a passo, lições e dicas da área, desde como saber o perfil de um bom jornalista até os primeiros dias na reportagem, passando por autoavaliações, principais ferramentas de trabalho, apuração, entrevistas, fontes, lides e estilo, e como ingressar no mercado de trabalho.