Philippe Seabra, suas memórias elétricas e o grito que não se cala
Por José Horta
DA REDAÇÃO – Philippe Seabra, voz e alma da Plebe Rude, abre o coração como quem folheia velhas cartas e descobre que o tempo é só mais um personagem nessa história. Em entrevista exclusiva, ele revisita os caminhos tortuosos e luminosos de sua trajetória, os desafios de escrever ‘O cara da Plebe’ (Belas Letras) — autobiografia que é mais que um livro, é um relicário de memórias, acordes e cicatrizes — e os bastidores da cena rebelde que brotou no cerrado e se espalhou feito incêndio pela cultura jovem brasileira.
Com olhar crítico e inquieto, o músico rememora bastidores inéditos da cena brasiliense dos anos 1980, os encontros com Renato Russo, Herbert Vianna e tantos outros personagens que ajudaram a moldar o DNA contestador do rock nacional. No livro, revela as histórias escondidas atrás das letras desafiadoras e os bastidores de um tempo em que subir ao palco era, também, um ato político — e em que era preciso conviver com o medo e com a certeza de que “nem sempre a porta abrirá, às vezes a sorte falha”, mas que a música seguiria sendo trincheira contra a apatia.
Mais do que um resgate memorialístico, ‘O cara da Plebe’ é uma viagem por uma Brasília em ebulição, onde jovens com instrumentos desafinados e sonhos imensos ousaram desafiar a ordem e dar voz ao inconformismo. Entre censura, repressão e noites infinitas de ensaio, surgia uma cena que marcaria para sempre a cultura brasileira. Um tempo em que promessas de que “este ano seria diferente” naufragavam no ciclo previsível de desilusões políticas e pessoais — mas a teimosia em acreditar ainda sustentava a rebeldia.
Nos dias 15 e 16 de maio, essa história ganha novos capítulos. Primeiro, com o lançamento do livro na Livraria Jenipapo, situada à rua Fernandes Tourinho, 241 — Savassi, Belo Horizonte. Depois, ainda na capital mineira, com a Plebe Rude subindo ao palco da Mister Rock, na avenida Teresa Cristina, 295 — Prado, para celebrar os 40 anos de ‘O Concreto Já Rachou’, disco que segue atual como denúncia e manifesto — porque ainda hoje “se esconde entre a fé e a decepção”, e a música insiste em gritar aquilo que os relatórios tentam esconder.
Nesta entrevista, Seabra fala com parcimônia sobre os primórdios, talvez por saber que o excesso de nostalgia costuma fossilizar o que um dia foi movimento. Mas ao falar do presente e, principalmente, do futuro, a empolgação salta nos olhos e na voz. Porque, para ele, o rock não pertence ao passado: é uma urgência permanente. Uma forma de resistência, porque aceitar ou não ainda é a questão.
Claro, discorre sobre os desafios de escrever ‘O cara da Plebe’, autobiografia que ultrapassa 600 páginas e não se contenta em ser apenas um relato pessoal — é um testemunho de uma geração que fez da música sua trincheira. Um livro que, como na canção “Este Ano”, revela que promessas se quebram, as estações mudam, e “cada ano que passa a gente se faz a mesma promessa”. Mas enquanto houver quem se recuse a baixar a cabeça, a música continuará sendo trincheira. E a Plebe Rude, mais do que uma banda, seguirá sendo um grito. Aquele mesmo grito que, mesmo quatro décadas depois, ninguém conseguiu calar.
A ENTREVISTA
Você nasceu em Washington. Como foi o impacto de chegar ao Brasil aos 9 anos sem falar português, e de que forma isso influenciou sua trajetória musical?
Tudo era diferente aqui no Brasil, a língua dos costumes, até o leite parecia mais azedo. Meio traumatizante para um menino de 9 anos. Demoraria mais uns dois anos para eu retomar as aulas de violão que tinham começado aos 8. Não tem como o choque cultural não ter me influenciado, mas eu optei por ficar mais do lado do folk e rock americano e inglês.
Em sua opinião, por que a cena musical de Brasília dos anos 1980 foi tão singular, e como a aridez da cidade contribuiu para a efervescência cultural daquele período?
Todos eram filhos de cabeças jogados numa cidade recém-nascida antenadas em tempo real ao movimento explosivo punk na Inglaterra. Isso, mas o fato de todos conhecerem uma segunda língua, fez toda a diferença do mundo. Nada se perde na tradução e pegamos em cheio o impacto do movimento pós punk.
Como surgiu a ideia de fundar a Plebe Rude com André X, e qual foi a proposta musical da banda desde o início?
Ele me descobriu em 1981, pois ambos estávamos sem banda. Ele tinha dito dos Metralhaz e eu do Caos Construtivo. A proposta inicial era um power trio punk instrumental. Eu tinha 14 anos…
O que motivou sua mudança para Nova Iorque em 1994, e como essa experiência influenciou sua visão sobre o Brasil e sua carreira?
A banda tinha acabado e a economia estava no lixo com a falência do governo cleptocracia do Collor. Com o Renato Manfredini falou, “era como se o Brasil todo estava no velório do Ayrton Senna…” Viver nos EUA como um adulto fez muito bem pra mim e pavimentaria as próximas décadas da Plebe.
Quais foram os desafios e aprendizados ao retomar a carreira musical em 2000 após anos fora do país?
Eu entrei em muito detalhe no livro sobre isso. Voltar a escrever em português depois de 6 anos foi um desafio. E também voltar a tocar na formação original da Plebe depois de tanto tempo. Mas só lendo o livro pra ver o draaaaaama que foi.
Como produtor musical, que características você considera essenciais para transformar uma banda iniciante em um projeto sólido?
Hoje é bem mais difícil começar uma carreira, mesmo com a internet, mas tem que acreditar no que faz, no próprio som e postura. Não tenho muito conselho para dar a não ser faça seu próprio som.
Como era ter uma banda nos anos 80, sem o apoio da internet, que ainda nem existia, e como você analisa as diferenças para as bandas de hoje que buscam se destacar no mercado musical digitalizado?
Se existe esse saudosismo pelos anos 80, que até eu acho que é um pouco exagerado, é por um motivo. As músicas eram puras, ninguém pensava no mercado muito menos carreira. Não existia precedente para o que fazíamos então era uma inocência que predominava. As pessoas sentem falta desse nível de comprometimento e composição. É claro que o rock não morreu e tem muita banda boa, muitos inclusive que eu produzi, mas eu vejo muitos artistas descendo o caminho da polêmica para se destacar, e cá pra nós, os algoritmos estão aí para promover e divulgar a polêmica… é por isso que alguns artistas da década de 80 estão tão opinados politicamente na internet – claro que não na música pois aí teria que comprometer a carreira – mas em blog intervieste e Instagram, atitude é o que não falta. O que falta é música.
Agora sobre o livro, ‘O cara da Plebe’, além das histórias da banda, você quis redigir um texto que despertasse a vontade dos leitores em se empenhar por concretizar aquilo em que acreditam?
Não precisa conhecer a Plebe para apreciar o livro, já que é bastante abrangente. É uma história de determinação e muitos percalços no caminho, vindo dos lugares mais inesperados. O importante que é uma mensagem antidrogas e um lembrete de que jamais devemos abaixar a cabeça para o denominador em comum mais baixo.
O livro nos mostra um Philippe Seabra nostálgico, mas que olha para a frente. Poderia nos explicar como conciliar sua nostalgia com as perspectivas do futuro?
Eu vejo o futuro pelo prisma do passado, sem intenção de sempre errar o menos possível.
A Plebe Rude está em turnê, inclusive se apresenta no dia 16 de maio em Belo Horizonte. Além do repertório da banda, tem poucos covers, mas muito bem escolhidos. Como se deu a montagem deste repertório?
A Plebe não é de tocar cover como muitos da nossa geração, alguns que até fizeram carreira em cima disso, mas é claro que uma homenagem às bandas Cólera e Escola de Escândalo (uma banda tida como a 4ª banda da leva 80tentista de Brasília que nunca gravou pra valer). O show é um apanhado da história da banda, mas o ‘Concreto já Rachou’ na íntegra já que está fazendo 40 anos…
Em tempo: lançarei o livro “O Cara da Plebe”, em Belo Horizonte, um dia antes do show na Livraria Jenipapo, dia 15 de maio.
Como é sua relação com Jander Bilaphra, Gutje Woortmann e Rodrigo Txotxa?
Só tenho contato com o Txotxa de vez em quando.
E como é contar com o ‘auxílio luxuoso’ de Clemente?
No livro ‘O Cara da Plebe’ entra bastante detalhe sobre isso. Não é à toa que está na Plebe há mais de 20 anos. Companheiro e cúmplice nessa estafada louca que é tocar música consciente no Brasil.
O que faz a cena do rock brasileiro dos anos 80 ainda é tão lembrada e admirada: é pura nostalgia ou a qualidade musical da época realmente se destaca?
Uma mistura de nostalgia é clara, mas realmente o nível de composição era mais alto. Isso é um fato.
Qual sua avaliação sobre a cena rock and roll brasileira da atualidade?
Tem muita banda legal ainda na ativa ou começando agora, mas realmente o rock perdeu bastante espaço na mídia. Mas ninguém fica se remoendo, mãos à obra e a luta. O Brasil precisa de artistas com mais postura e que se manifestem NAS MÚSICAS senão teremos apenas um bando de compositores medíocres tentando virar virais ou influenciadores.
A Plebe tem uma música da qual gosto muito, ‘Este Ano’. Ao analisar a letra, faço uma pergunta: “O que impede a mudança prometida a cada ano: é o medo, a falta de ação ou a reprodução de padrões?
‘Este Ano’ é realmente muito bonita, um ponto alto nos shows, retratando um período difícil da banda no começo da década de 90. A economia estava na latrina e Plebe, sendo a banda de longe a menos comercial de todos os grupos que chegaram ao disco de ouro, seria a primeira a sentir isso. Mas é uma música de esperança, que nunca morre. Daí que vem a frase “cada ano me faço a mesma promessa”.
A Plebe Rude tem renovado o seu público e nos shows e lançamentos do livro ‘O Cara da Plebe’. É bonito ver a mensagem e postura da Plebe ressoando depois de tanto tempo, mas aí fica o dilema. Como artista e compositor, fico feliz com a relevância da obra, mas como pai e cidadão, me entristece que as letras continuam assim tão atuais.
Nesta parte da entrevista, vamos focar no livro ‘O cara da Plebe’, que é considerado mais que uma biografia. Como foi abarcar tantas histórias dentro do livro?
Em 2018, eu comecei um virar palestrante ocasional e quando fazia a palestra numa faculdade, tinha um momento que sempre arrancava aplausos dos professores. Era quando falava das inúmeras ideias aos museus públicos – que Washington oferecia fartamente – quando eu era criança. Essas visitas eram uma experiência de família, não de escola. O ideal é que a apreciação da literatura, história e arte venha do berço, e reforçada pela escola. As letras conscientes e lúcidas do rock de Brasília não se escreveram sozinhas nem vieram de um aspirador. Foi aí que vi que eu teria algo a dizer num livro.
Eu, André e o Renato tiveram essa particularidade. Eu certamente não desci o caminho dos ‘filósofos suicidas’ que o Renato agitou, e muito menos passei pelas “portas da percepção” de Aldous Huxley, mas essas palestras abriram outras portas e delas sairia o livro “O cara da Plebe”. Mas para focar nisso, eu teria que me sacrificar um pouco. Terminei o disco da banda Adjani, um Rock/MPB moderno digno de ao menos uma indicação a um Grammy Latino e depois do término da mixagem deles em Nova Iorque, trancaria o estúdio para me dedicar ao livro. Alternado entre as palestras esporádicas, a viagem “Nação Daltônica” e claro, ser pai e marido em tempo integral, comecei a escrever projetando que chegaria a umas 500 páginas.
Foram cinco anos escrevendo. O que foi mais difícil neste processo de resgatar o passado?
Eu pensei: “Foco Seabra, que em um ano você termina”. Mas depois de escrever por alguns meses e ao passar pelos primórdios da banda na narrativa, fui tirar algumas dúvidas com o André sobre as músicas do comecinho da banda, e começamos a pensar no inevitável: “Porque nunca gravamos esse material?” Aí parei por quase um ano para me dedicar ao DVD “Primórdios 1981 – 1983” e a consequente turnê. Depois de um ano retomei o livro e alguns meses depois, durante minha pesquisa me deparei com a letra original de “Evolução”, uma música curiosa minha e do André de 1989, mas que foi arquivada pois era um tanto quanto “irreverente”, termo que sempre odiei. Mas disso sairia o musical – ópera punk – de álbum duplo, “Evolução Volume 1 & 2”, e parei mais um ano e meio a escrita do livro para a produção, gravação e turnê. Durante a pandemia nem toquei no livro (parece piada, eu tinha terminado o livro em fevereiro de 2020 e quando retomei depois de 2 anos, já estávamos em 2023. Mais um ano de edição final, negociações com a editoria Belas Letras, pesquisa de foto etc.
Eu sempre trabalhei com projetos grandes, gravação e produção, trilhas sonoras de cinema, direção musical, mas um livro? Ainda mais de 630 páginas? (isso porque a versão final antes da edição ficou com 900 páginas!) Exaustivo…
O livro promete “peripécias” da turma dos anos 80, e você mesmo me disse que são poucos os que escaparam de serem acusados. Quem são os personagens com histórias curiosas, que o leitor poderá encontrar nos seus relatos?
Toda a cena de Brasília e dos anos 80 de São Paulo e Rio é abordada, mas aparece mais os Paralamas e Legião. Legião por motivos óbvios, mas também por um detalhe que ninguém soube até a publicação de “O cara da Plebe”, o Renato me convidou duas vezes para ser seu guitarrista. Mas aí, só lendo o livro. Já os Paralamas… Imagine uma cena. Estávamos na Capital Federal apanhando a polícia, de playboy, mandando música pra censura, e o recém-nascido Paralamas lá no Rio, sendo referidos como parcialmente de Brasília – gravando e tocando na rádio. Não era justo. Virei para o André e Renato e disse: “Nós nunca vamos tocar no rádio”. Eu particularmente não consegui levar seu disco de estreia muito a sério, apesar de membros da “Tchurma”, especialmente alguns do Capital, ficarem extasiados. Mesmo assim eu fiquei feliz ao ver o Rock Brasileiro da década de 80 florescendo. Mas a meu ver, “Qual é seu guarda, que papo careta” era mais constrangedor daquele transgressor. “Chinfra na minha lambreta?” Não poderia ser sério… É isso que está tocando na rádio, sobre um motoqueiro? “A caravana do amor então pra lá também se encaminhou”. Jesus Amado. “Caravana do Amor? Minha prima já está lá e é por isso que eu também vou”? Espera aí. Sua prima está onde? Fodeu, Pensei. Estamos perdidos.
O Herbert bem no comezinho dos Paralamas visitou a sala de ensaio que repartimos com a Legião e a banda XXX (futura Escola de Escândalo), mas ficou no canto agachado tocando guitarra sem conversar com ninguém, provavelmente intimidado com a “fama” dos punks de Brasília. No dia seguinte do meu esbarro rápido no Herbert, fomos ensaiar e liguei meus equipamentos e pedais. Todos eram uma pilha, exceto o Flanger, com um grosso cabo de força preto já embutido de fábrica que eu ligava num transformador. Não demorei muito para deduzir que tinha sido aquele carioca sem vergonha que o ligou na parede diretamente, com o dobro da corrente de energia fritando meu pedal. Fiquei muito puto. Através de pessoas em comum, mandei um recado que ele teria que me dar um pedal novo. E era um pedal caro. Mas o Herbert não dava notícias. Demoraria mais 16 anos para resolver essa história. E dessa história sairia a música “Minha Renda” que sabia mal justamente dele. Mas ele levou na boa e depois de apadrinhar a Plebe, produziu 3 discos nossos. Uma história longa. Os Paralamas quase são o fio condutor de “O cara da Plebe”, pois há um carinho e admiração mútua. Mas sem perder a piada.
Você acredita que o fato de não ter usado drogas contribuiu para uma memória mais fiel da cena roqueira dos anos 80, conhecida pelos abusos?
É uma biografia ímpar, pois tem a mesma quantidade de drogas de qualquer biografia de rock and roll, só que DOS OUTROS. Foi importante escrever esse livro, pois algumas histórias ninguém mais estava lembrando e se eu não contasse, era como se nunca tivesse acontecido. É claro que minha memória intacta ajudou, mas quem mais me impressionou (entrevistei bolsas de pessoas, famosos e anônimos, para tirar uma dúvida aqui e acolá) o Bi Ribeiro dos Paralamas – ele lembrava mais que eu. Ajudou a manter a fidelidade a uma época tão especial para tanta gente.
A maior parte das bandas de Brasília acabou migrando para São Paulo ou Rio. Você ficou firme. O que você fez em Brasília?
A banda mudou para o Rio em 1986 e ficamos por 8 anos. Talvez o maior arrependimento da minha vida, pois nós temos mais a cara de São Paulo. Só voltei pra Brasília em 2002 depois de 6 anos morando fora, que narro a exaustão no livro, meu momento favorito no “O Cara da Plebe”. Mas eu sempre soube que o caminho da Plebe seria difícil. Vivíamos na Capital Federal e a sombra militar era mais presente do que no resto do Brasil. Não éramos que fugimos de tanques de guerra ou éramos caçados em campos repletos de crânios como no “Exterminador do Futuro”, mas o clima estava no ar. E trazia de volta a dissidência impressa em mim pelas passagens antiguerra do Vietnã e anti-Nixon quando era criança. E com 14 anos, toda contestação dentro de mim que estava latente foi sendo convidada a sair e se manifestar na superfície através do punk. Eu sempre falei com o Renato que se não fosse Brasília, nada disso teria acontecido, pelo menos dessa maneira. Se alguém tem uma arte artística, vai se manifestar de um jeito ou outro eventualmente, mas por ter sido em Brasília, naquele momento no espaço/tempo, saiu como saiu. E ressoou como ressoou.
Mas a Plebe sempre se apresentou como uma “banda de Brasília” diferente.
Já de cara eu via a dificuldade algo acontecer com a Plebe. Eu sabia que a Plebe era a menos comercial, de longe, das bandas de Brasília e mesmo com toda a cena nacional surgindo e vendo as bandas colegas de São Paulo ganhando atração na mídia, não conseguia enxergar em que contexto seríamos inseridos. Flashes passados na minha cabeça do clipe de “Vital e sua Moto” com o Herbert cantando de cartola à lá Charlie Chaplin. Ouvia um eco caribenho do teclado horroroso de “O Reggae” do primeiro disco da Legião (sem mencionar o timbre de guitarra) e as guitarras melosas embaixo dos versos igualmente melosas, “A Europa está um tédio vamos transar com estilo” do primeiro compacto do Capital. Clipe de cartola? Tecladinho? “Transar com estilo”? Estamos ferrados.
Enquanto que “Tempos Modernos” de Lulu Santos tocava no rádio eu sentia ainda mais desesperançoso, e não somente pela pegada pop. É que as bandas de Brasília, ou conhecidas por eles 2/3 dos membros que moraram em Brasília – no caso dos Paralamas, estavam todos dizendo, da maneira mais fina, elegante e sincera, “mais sim do que não”. Como é que a Plebe chegaria a um disco se fosse de longe a banda mais “não” de Brasília? Talvez até do Brasil? Será que o sonho punk acabaria do mesmo jeito que o sonho hippie em “Easy Rider”? E não foi nada bonito. A trajetória da Plebe certamente foi outra. Todas as bandas do incipiente rock brasileiro mainstream tinham o contraponto do pop fácil em repertórios específicos, ou em alguns casos, sem vergonha mesmo, com músicas que lhe sustentaram uma carreira completamente opostas a uma ou outra mais contestatória que chegaria às rádios. Para um olhar desatento, à primeira vista, parecia que dedicaram sua carreira inteira a músicas mais serias quando na maioria dos casos, o grosso do repertório era recheado de letras – comentários, é claro – bobas ou no mínimo não muito inspirados, e por sua definição mais pura, pop safado mesmo. Chego a concluir que o contraponto da Plebe na música popular brasileira era justamente o de não ter contraponto no próprio catálogo. E por não ter esse denominador em comum mais baixo, que garante uma certa sequência de ‘sucessos tangíveis’ a cada disco, pagamos um preço alto. Ao menos nunca tive que me preocupar de ter me vendido porque, parafraseando o Tony Wilson, cofundador da Factory Records, “Eu tenho me protegido de um dia ter que me vender por não ter nada para vender”.
O que me move na época é a mesma coisa que me move hoje em dia. Urgência. E com um “U” maiúsculo, isso mesmo, bem grande pra você. Muita gente ainda acredita no bem que pode ser feito honrando suas escolhas de vida e lutam para o bem maior, com as armas que tem. Professores que se recusam a entregar ao sistema falido, médicos na rede pública que tentam salvar vidas apesar da falta de recursos. Bombeiros e policiais que arriscaram as vidas todos os dias. Cuidadores de idosos e de crianças especiais. Essas pessoas não são movidas pela glória ou fama. Fazem o que acham que é certo, independente do prognóstico muitas vezes fadado. Agora feche os olhos e imagine um mundo sem essas pessoas.
Para finalizar o nosso papo, me conte quais os planos – seus e da Plebe Rude – para 2025?
Como trabalho com trilha sonora de cinema, tenho uma notícia curiosa, em 2025 estreitará o filme “Sobreviventes” do diretor português José Barahona, com produção musical e trilha original minha. O filme já estreou em Portugal. Uma curiosidade é que chamei o Milton Nascimento para cantar em 4 músicas, e não é que ele topou? Estreou nacionalmente em abril.
Lanço também, esse ano, o solo musical “Um menino chamado Laico”, mas só lendo o livro para saber detalhes. Estaremos em turnê nacional comemorando os 40 anos do álbum ‘O Concreto já Rachou’, que começou dia 7 de fevereiro no Circo voador no Rio. Também gravaremos um DVD acústico e continuarei lançando o livro nacionalmente. Ano cheio para a Plebe.

Livro tem mais 600 páginas. A autobiografia é mais que um livro, é um relicário de memórias, acordes e cicatrizes — e os bastidores da cena rebelde que brotou no cerrado e se espalhou feito incêndio pela cultura jovem brasileira

Livro tem mais 600 páginas. A autobiografia é mais que um livro, é um relicário de memórias, acordes e cicatrizes — e os bastidores da cena rebelde que brotou no cerrado e se espalhou feito incêndio pela cultura jovem brasileira

Marcelo Capucci (bateria), André X (baixo e vocais), Philippe Seabra (vocais e guitarra) e Clemente Nascimento (guitarra e vocais) mantém a Plebe cada vez mais rude. Na lead desta matéria disse que Seabra é a voz e mente da Plebe, pois como compositor inquieto, idealizador de discursos e intérprete visceral, articula as ideias e dá forma às palavras que ecoam há décadas nos palcos e corações dos fãs. É ele quem organiza os pensamentos e grita as verdades, estabelecendo o tom e o rumo da banda.
Mas a banda é um corpo pulsante do rock brasileiro. Nenhuma mente funciona sozinha. Para que a Plebe siga viva e potente, outros órgãos vitais entram em cena.
Marcelo Capucci é o coração. Seu comando preciso da bateria dita o ritmo, o compasso, o pulso constante que faz a música respirar e se mover. É dele a função de manter o sangue sonoro circulando, garantindo a energia crua e a urgência que caracterizam a banda desde os tempos de Brasília.
André X, por sua vez, é o estômago e os pulmões. No baixo, ele sustenta o peso e a profundidade das canções, aquele grave que se sente no peito antes de chegar aos ouvidos. Com seus vocais, André também inspira e exala mensagens, colaborando na respiração coletiva que dá fôlego à Plebe, equilibrando melodia e discurso.
Clemente Nascimento, um ícone do rock nacional, é os braços e as mãos. Na guitarra e nos vocais, ele executa com habilidade as ideias que a mente concebe, traduzindo riffs e acordes em gestos sonoros que alcançam o público. Clemente é ação — é quem leva a canção até o ouvinte, com a pegada firme e a experiência de quem carrega o rock no sangue há décadas.
Juntos, esses quatro formam um organismo completo, onde cada função é essencial e nenhuma sobrevive sem a outra. A Plebe Rude continua assim: um corpo coeso, resistente e combativo, fazendo o rock brasileiro seguir respirando. (Foto: Caru Leão)