É comum certo constrangimento quando o assunto é prestar fiança. E compreensível também. Garantir a dívida de outra pessoa envolve riscos. Ao afiançar uma pessoa, é necessária atenção redobrada quanto às responsabilidades assumidas e, sobretudo, à relação de confiança que se tem com o afiançado. Afinal, não são poucas as amizades e relações familiares rompidas que começaram com um contrato de fiança.
A fiança é uma garantia assumida por terceiro, o fiador, que, caso a obrigação principal não seja cumprida, deverá arcar com o seu cumprimento. É uma espécie de contrato acessório e subsidiário, o que significa que depende da existência de um contrato principal, e sua execução está subordinada ao não cumprimento desse contrato pelo devedor principal.
Ao contrário do que se pensa, fiança e aval não são a mesma coisa. Embora também seja uma garantia, o aval é específico de títulos de crédito, como nota promissória, cheque, letra de câmbio. A fiança serve para garantir contratos em geral, não apenas títulos de crédito. O aval também não possui natureza jurídica subsidiária, é obrigação principal, o que significa que o avalista pode ser acionado mesmo que o devedor primário não o seja. No caso do fiador, a não ser que haja disposição contratual expressa em contrário, ele não pode ser compelido ao pagamento até que se esgotem todos os meios contra o devedor principal. É o chamado Benefício de Ordem, sobre o qual falarei mais adiante. Então, sempre que se falar em garantia contratual, estará se falando de fiador, nunca de avalista.
Assim, nos contratos de locação, o proprietário do imóvel exigirá um fiador, não um avalista. E este fiador será a garantia financeira do contrato até a efetiva entrega das chaves. Aí está o perigo. Em caso de renovação automática do contrato, ou, mesmo que esse passe a vigorar por tempo indeterminado, ainda que sem nova anuência, o fiador permanecerá como garantidor do contrato até a entrega das chaves.
A jurisprudência do STJ é clara, no sentido de que, existindo no contrato de locação cláusula expressa prevendo que os fiadores respondem pelos débitos locativos, até a efetiva entrega do imóvel, permanece a fiança no período em que o referido contrato foi prorrogado, mesmo sem a anuência do fiador. Como é praxe que os contratos sejam elaborados pelas imobiliárias, ou pelo próprio locador, certamente a cláusula estará presente. A conduta de precaução é exigir que tal cláusula seja retirada, ou que seja expressa a vontade do fiador em só permanecer nessa condição nas renovações em que anuir expressamente.
Quanto ao Benefício de Ordem, é o direito garantido ao fiador de exigir que o credor acione primeiramente o devedor principal. Isto é, que os bens do devedor sejam executados antes dos seus. No entanto, o fiador não poderá se aproveitar deste benefício se no contrato de fiança estiver expressamente renunciado ao benefício; se declarar-se como pagador principal ou devedor solidário; ou se o devedor for insolvente ou falido. Outra vez, é de suma importância que se leia atentamente o contrato antes da assinatura. Em caso de dúvida, contrate um advogado, pode sair mais barato.
E se o inquilino não pagar a dívida? Prestada a fiança, o fiador responderá pela dívida com todo seu patrimônio, inclusive os chamados bens de família. Uma vez assumida a obrigação de fiador, não será possível alegar impenhorabilidade de bens na execução, ainda que se trate de seu único imóvel, ou seja, o bem de família.
Gerando discussões diversas, hoje essa questão já se encontra superada pelo STF e STJ, inclusive com a edição da Súmula 549 do STJ: “É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação.” Destaca-se que o Supremo Tribunal Federal, em votação plenária, proferiu julgamento em Recurso Extraordinário, segundo o qual o único imóvel (bem de família) de uma pessoa que assume a condição de fiador em contrato de aluguel pode ser penhorado, em caso de inadimplência do locatário.
A medida está amparada no artigo 3º da Lei 8.009/90, que traz expresso: A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movida por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
Para alívio dos fiadores, uma exceção foi criada pelo próprio STF. Trata-se da fiança em contratos de aluguel para fins comerciais. Em 12/06/2018, o Supremo Tribunal Federal firmou novo entendimento sobre o assunto e, por maioria de votos, reconheceu que os precedentes que admitem a penhora do bem de família com base no artigo 3º, VII, da Lei 8.009/90 não se estendem aos fiadores de locação comercial. Para tanto, invocou o argumento de que a livre iniciativa, ou seja, a atividade empresária, não deve prevalecer sobre o direito fundamental à moradia.
Embora a decisão não seja vinculante, consiste em um grande avanço da jurisprudência daquela Corte na proteção do patrimônio dos garantidores de locações não residenciais que, em regra, são os próprios empreendedores. Trata-se, portanto, de um mecanismo de reforço da limitação do risco negocial, que é indispensável para a realização de investimentos e, assim, para o funcionamento do mercado.
Apesar de trazer mais segurança aos fiadores, a recente decisão pode dificultar o mercado imobiliário levando incertezas aos contratos e restringindo o número de pessoas aptas a serem fiadores.
Aldair Oliveira- Advogado
Pós-graduado em direito civil